segunda-feira, 1 de março de 2010

Parte do Livro "Máscaras da vida" (continuação)






Cheguei em casa e comecei a ler os depoimentos, eram quatro, os quais organizei da seguinte forma:



A solidão, depressão e o sentimento de incompreensão x Fuga pelo excesso de estudo e trabalho.



Não sei bem o que falar de mim, já houve um tempo, em que minha vida era só chorar, procurei tratamento e me mantenho estável graças aos antidepressivos. Moro sozinho, sai do Maranhão onde morava com os meus pais, para vir estudar em São Paulo, foi quando resolvi tomar uma atitude perante minha depressão, precisava mergulhar em meus estudos, em meu mundo precisa ser alguém que não precisasse de ninguém. (era o que eu acreditava ser a solução para esse vazio que sentia dentro de mim que não tem fim.).
Sempre gostei de pintar, desenhar... Jogava toda a incompreensão que o mundo a minha volta me oferecia em minha arte. Era assim que me sentia bem, naquele momento era eu e meus quadros e nada mais, realmente não precisava de ninguém. Eu me compreendia, eu era único e completo, eu me expressava maravilhosamente bem.
Porém não me livrei de minha tristeza de minha solidão de minha depressão, moro só, sei lá, não gosto de sair, acho que tenho um pouco de fobia social, nunca tive amigos, as pessoas são tão estranhas, parece até que existe uma regra para se viver e eu sou o único que não consigo entender essa regra, não me encaixo nesse mundo doido, vai ver é por isso que sou tão incompreendido, taxado como doido e esquisito, as pessoas não me entendem e eu não as entendo também.
Quando tinha uns 20 anos, por ai, me apaixonei loucamente por uma mulher, estudava comigo na faculdade, era a única pessoa que conversava comigo, parecia me entender, conversávamos sobre coisas místicas, sobre o eu interior sobre sentimentos, procurávamos entender a vida.
Mas eu estava enganado ela não era sincera, era igual a todas as outras pessoas, falsa, desleal e até fútil. Surgiu uma oportunidade de trabalho para ela no exterior e ela nem pensou em mim esqueceu-se de nosso amor, me trocou por uma oportunidade de crescer na vida. Tentei até o suicídio. Mais fracassei, até nisso fui um fracasso. Senti-me o pior e mais incompreendido ser humano da face da terra. Mais após longa data de sofrimento resolvi reagir novamente, fiquei sabendo que ela havia se apaixonado por outro por lá, iria se casar, nunca mais voltaria, veja só, fui insignificante em sua vida, e ela dizia me amar...
É por isso que odeio o ser humano, não quero me relacionar, são todos falsos, mentirosos, mesquinhos, egoístas e fúteis. Quanto mais observo as atitudes das pessoas mais asco delas eu sinto. Sim eu tenho o meu mundo! Pensei comigo, nunca mais confiarei em mais ninguém, ninguém merece minha confiança, minha amizade, ninguém me entende. Sou único nesse mundo meu destino é viver só.
Resolvi mergulhar em meu trabalho 24 horas por dia, sem descanso, não queria mais pensar em minha depressão, minha solidão. Queria ser alguém sim, e através de minha arte é que o mundo iria um dia reconhecer o meu valor...
Como a pergunta aqui é sobre carência, devo admitir que é difícil conviver com a incompreensão, solidão (às vezes sinto falta de me expressar, de falar com outros, devo admitir, mais não quero me iludir, não quero me machucar).
Meu vicio deve ser o trabalho e o estudo, pois, ocupo minha vida, minhas horas meu dia praticamente todo me dedicando aos estudos e ao trabalho. Sem isso acho que não agüentaria, morreria.



Fábio, 33 anos, artista plástico.



Sentimento de inadequação e rejeição perante a sociedade devido à deficiência física (paraplegia) X Fuga para o trabalho e mundo das amizades virtuais, (computador).



Bom, é um pouco complicado falar a meu respeito, sou um pouco reservado, não gosto de falar ou de escrever sobre minha pessoa, porém vou tentar fazer um esboço de como é a minha vida dentro de minha cabeça...
Sou paraplégico, desde criança, perdi todos os movimentos e sensações da cintura para baixo devido a um acidente, um mergulho mal sucedido em um riacho na fazenda de minha família. Desde então vivo em uma cadeira de rodas.
Sou filho único, hoje em dia vivo só, meus pais já faleceram faz algum tempo e não tenho muitos amigos, acredito que para uma pessoa como eu, é muito difícil se relacionar, as pessoas sempre me olharam estranho, sempre fizeram diferença, às vezes me sinto um anormal e procuro sempre me isolar.
Para continuar vivendo, tive que encontrar um motivo uma razão, adoro o meu trabalho, e, portanto, passo o dia todo trabalhando às vezes mais de doze horas por dia, não quero pensar em minha condição. Minha felicidade é sentir-me útil de alguma forma. Nos finais de semana passo horas em frente ao computador, como sou muito solitário, e nunca tive namorada, fiz grandes amizades em salas de bate papo, com algumas delas eu ainda consigo me abrir mais e falar sobre minha vida meus problemas. Mais odeio me sentir coitadinho, invalido, portanto prefiro ouvir a falar, gosto muito de ajudar os outros, pois, dessa forma me sinto útil também. Fico feliz quando meus conselhos, e elogios servem para fazer a vida de alguém melhor. Sempre que posso também, procuro ajudar algumas pessoas financeiramente, sei que assim terão condições de pagar suas dividas e livrar se de algumas preocupações.


E assim recebo também delas o sentimento de gratidão, o que me faz sentir querido, importante e feliz. Porém, minha vida nem sempre é fácil, pois meus amigos reais são inexistentes, só os virtuais mesmo, e em épocas festivas em que todos se reúnem com família e amigos, eu fico em casa sozinho, e é ai que a solidão é quase insuportável. Mas, fazer o que né? Assim vou levando minha vida.
Bom, para concluir acho que minha carência é obvia: Sou paraplégico, falta me movimentos, não posso andar com minhas próprias pernas, isso me ocasiona um sentimento de inadequação e rejeição perante a sociedade e consequentemente solidão.
Meus vícios: trabalhar demais, e passar horas em frente ao computador.



Valter, 48 anos, analista de sistemas.


Sentimento de inadequação, rejeição, medo e limitação X Isolamento e conformismo.



Meu nome é Elaine, tenho 23 anos e nasci cega, a minha maior dificuldade na vida realmente é a falta de visão, devido a isso tenho uma vida muito limitada, minha infância toda eu vivi sobre a super proteção de meus pais, estavam sempre por perto, nunca pude fazer nada sozinha, (e também nunca fui incentivada a isso) tudo requeria a assistência de alguém, até para andar.
Isso tudo é muito triste, me sinto muito diferente dos outros, sou tratada diferente, e muitas vezes até preconceituosamente. É muito difícil quando saio nas ruas ter de encarar os comentários de pena, dó e estranhamento que lançam sobre mim. Acabo me sentindo inferior. Por isso a solução que encontrei foi realmente o isolamento, fico o maior tempo possível trancada no meu quarto, mais ai bate uma tristeza tão grande... - Como eu gostaria de enxergar, de ver o mundo ver as pessoas e ser tratada como igual. Muitas vezes não agüento e desabo a chorar por horas sem parar. Não agüento mais essa vida injusta!!
Foi no meu aniversário de 10 anos, que minha vida começou a mudar, ganhei de presente de uma tia, uma bengala, e me interessei em aprender a andar sozinha sem auxilio de meus pais, poder sair de casa. Mas meus pais ficaram preocupados com a idéia, diziam que era perigoso etc. e tal. Aquele era um sonho para mim e não desisti facilmente. De tanto insistir minha mãe me colocou em uma escola de reabilitação para cegos, lá eu aprendi a usar a bengala, e aos poucos fui aprendendo a ler em Braille.






O mais difícil, porém, foi quando comecei a querer andar na rua sozinha. Minha mãe preocupada dizia: - Você não pode, é perigoso tenho medo que lhe aconteça algo. Nossa, às vezes, isso me batia tão fundo... Vai ver sou incapaz mesmo tenho que aceitar minha situação. Desanimada e sem esperança voltada para meu isolamento.
Mas acontece que acabei fazendo amigos em meu curso que me incentivaram a lutar, a insistir a ir adiante. Uma grande amiga, minha (cega também), acabou me convencendo a freqüentar um curso de telefonista com ela, me dizia: - Agora que a gente pode andar sozinha na rua sem precisar de ninguém, só com o auxilio da bengala, o próximo passo é conseguirmos estudar para ingressar no mercado de trabalho. Admirava a força de vontade e otimismo dela, mais devo confessar que eu não me sentia tão otimista assim. Tinha vergonha de enfrentar o mundo nessa minha condição, sempre todos me trataram como incapaz, com dó pena e preconceito. Não sei se era capaz de provar que eu era capaz de alguma coisa, era mais cômodo me conformar, tinha medo de falhar e ter de escutar: - “Eu te disse que não ia dar certo, agora você está chateada por que é insistente você tem que aprender a aceitar as suas limitações.”.
Para mim é ainda muito doloroso enfrentar a visão que os outros tem de mim. Sinto-me mal, incapaz e despreparada.
Bom, acontece que eu acabei cursando o tal curso com a minha amiga, foi um pouco mais fácil enfrentar as dificuldades por que tinha ela ao meu lado, uma ajudava a outra.









Hoje estou aqui, enfrentei muitas barreiras em minha vida, minha mãe que antes me julgava incapaz, (é claro que, por que queria me proteger), agora me admira. Eu consegui chegar até aqui e agora consigo fazer algumas coisas sozinha, conquistei um pouco de liberdade. Mais ainda tenho que enfrentar meus medos e vencer meu pessimismo e um certo conformismo e parar de me isolar quando me sinto assim: desanimada perante a vida, e batalhar pelo meu lugar. Minha próxima meta é trabalhar.
Bom minha carência é física, mais isso se reflete emocionalmente, como contei em meu depoimento e meu vício se assim posso chamar, por que é mais uma mania rsss. É procurar o isolamento como conforto como forma de não enfrentar os meus problemas. Mais a cada dia que passa me isolo menos e vivo mais.



Elaine 33 anos, São Paulo.


Sentimento de superioridade, incompreensão X excesso de trabalho, estudo e manias.


Para mim é complicado, acho que me falta encontrar pessoas que pensem como eu, pode até parecer arrogância, mais a verdade é que a maioria das pessoas é muito burra! Eu não me conformo não consigo ficar calado, eu tenho que expressar minha indignação, por isso estou sempre criticando os outros. Pior é que as pessoas não sabem ouvir, então se afastam de mim, são cegas não enxergam a própria burrice, ingenuidade, falta de cultura e educação. Eu tenho que ouvir cada coisa. Mais ficar sem criticar é impossível! É simplesmente revoltante.
Pois é, com isso acabo meio que isolado mesmo. As pessoas não agüentam as minhas criticas, fora que me faz falta encontrar alguém a minha altura, que tenha uma conversa inteligente, interessante. Parece que o mundo é dos ignorantes mesmo. E duro ser mais sábio, mais inteligente.
Mas também eu sempre fui atrás de informação, livros, jornais, revistas cientificas etc. Adoro estudar e conhecer culturas. Tenho tanto conhecimento que às vezes é por isso que não consigo não me indignar com os outros. Eu sei demais, e me interesso em saber cada dia mais.
Tenho dois filhos, hoje adultos e com suas próprias vidas, mais até eles são ignorantes, quase nunca converso com eles, e se converso é o essencial para não gerar conflitos. Se não acabo criticando mesmo.
Mas o que mais me causa revolta, é ver gente muito burra fazer rios de dinheiro e obter sucesso, e eu com todo o meu conhecimento e inteligência não tenho nada disso. Como eles conseguiram isso? Vivo me questionado, não entendo.






Bom é isso, devo admitir que sou metódico e tenho algumas manias elas ocupam meus pensamentos e me ajudam a não pensar tanto na minha solidão e nas indignações que sinto. É um vicio, mas é assim que consigo ir levando a vida, um dia após o outro, seguindo meus horários, minhas coisas certinhas e como devem ser. Outra coisa, Eu gosto de trabalhar bastante, isso também ajuda a não pensar.
É isso ai, resumão da minha vida e de meus sentimentos: minha carência é ter de viver meio que isolado, é o preço a se pagar pela sabedoria e conhecimento não é mesmo? A incompreensão.
Meus vícios são as minhas manias, mais sejamos sinceros, de alguma maneira, preciso desviar a tensão de meus problemas. Eu acho que essa é a melhor forma, ainda não achei outra.



Afonso, 60 anos, médico.

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