domingo, 25 de outubro de 2009

Literatura: conto: Nerfith



Nerfith era uma moça diferente, sempre reclusa em seus estranhos pensamentos, parecia temer gente, sempre sentindo com se fosse de um outro planeta, era assim que vivia, em uma espécie de mundo próprio dentro de si mesma.
Morava com a mãe, Amélia, dona de casa, e com o pai, José, pescador, em uma prainha quase deserta em algum canto do mundo...
Desde pequenina, Nerfith tinha pesadelos e acordava e dormia todos os dias com alucinações, febre, ouvia vozes...
Nunca contara aos pais seus estranhos sonhos e visões, mas era aparente sua esquisitice, as febres, os berros, os delírios, seu rosto pálido, a depressão e a tristeza estampadas em sua cara.
Às vezes, escutava uma conversa dos pais, sobre seu comportamento (se preocupavam realmente com a menina, tão bonita, tão sozinha, tão infeliz, mas acreditavam ser frescura, a menina, deveria logo se casar e parar de pensar besteiras, quem sabe uma família e um marido para cuidar, lhe trariam um pouco de felicidade? Mas quem namoraria Nerfith?) Todos permaneciam longe, ela até já havia tentado namorar, mas quando achava alguém que lhe interessasse que parecesse ter a ver com ela e pudesse compreende - lá, caia em desilusão, o entusiasmo não durava uma semana e o rapaz estranhamente sumia de sua vida. Era como se fosse uma maldição, ou então um destino, a vida comum não era para ela, qual seria seu propósito na vida?
Seus sonhos, algumas vezes, pareciam reveladores, muita água, o mar lhe chamava, precisava ir para dentro do mar, havia uma porta de madeira pesada no profundo azul do mar, era lá seu mundo, era para lá que ela ia todas as noites..., Havia um mundo submerso, lá uma cidade onde só ela sabia chegar. Só ela enxergaria os portões... O medo do magnetismo que o mar exercia sobre ela a fazia sempre acordar soando com febre assustada, sim tinha medo, sabia que se entrasse no mar morreria, não sabia se queria morrer, mas sabia que nunca seria feliz nessa vida mundana. Mas e lá em seu mundo das águas? Seria feliz?
Não entendia por que não podia ser feliz em terra, afinal, apesar da palidez, e do ar triste característico de seu ser não era nem um pouco feia, era uma moça com a pele alva, olhos arredondados e azuis da cor do céu, cabelos longos lisos e pretos, magra, quase esquelética, mas tinha uma beleza exótica e misteriosa, o que lhe impedia de encontrar um amor era certamente alguma maldição...
Era também, uma pessoa muito inteligente, se dedicava aos estudos para não mergulhar em seus delírios, aos 20 anos foi morar sozinha em São Paulo, conseguiu emprego e cursou a faculdade de jornalismo, poderia ter virado uma excelente profissional, mas seu destino não era esse.
Viveu só, não tinha amigos, era uma pessoa que por mais que se esforçasse, tinha um ar distante, as pessoas não simpatizavam com ela, era como se ela causasse uma espécie de distanciamento, outros nem se davam conta de sua existência, caindo na ignorância dos que tentava conquistar...
Seus sonhos lhe chamavam para voltar ao seu lar, e bem ou mal tinha algum amor junto aos seus pais lá em sua terrinha, sim ao menos pareciam ter por ela algum carinho, não suportava mais aquele vazio que sentia naquela cidade sozinha e sentia uma enorme falta do mar também. O mar lhe causava arrepios, mas também a seduzia, era uma relação de amor e ódio, adoração e medo...
Precisava voltar, não enxergava nenhuma perspectiva em sua vida, mas precisava rever seus pais seu lugar...
Alguns dias depois decidiu então, retornou ao seu antigo lar, Nerfith já tinha 30 anos agora, faziam 10 que tinha deixado aquele vilarejo, voltara com dinheiro, para que os pais pudessem reformar o casebre e viver durante um tempo, mais confortavelmente.
Amélia e José receberam a filha com um abraço emocionado, apesar de esperarem, que a filha retornasse com um semblante mais alegre e um brilho no olhar, foi um tanto decepcionante perceber que ela ainda possuía aquele olhar baixo e embaçado por lágrimas por cair, e uma falta de vontade de viver que era evidente em seu ser.
Foi na noite desse dia que Nerfith teve o desfecho de sua estória, adormeceu ouvindo o barulho do mar, ele estava revolto, ventava muito, parecia que o mar uivava naquela noite, parecia que novamente a chamava, pela primeira vez, ela teve uma crise de sonambulismo, saiu de casa e caminhou em direção ao mar, ele lhe chamava, esse era seu mundo, o interessante, é que ela apesar de adormecida não se sentia triste, nem agoniada, sentia que estava cumprindo uma missão, um destino, estava voltando para os seus. Entrou no mar escuro, quase preto, sumiu em meio as enormes e revoltas ondas que faziam aquela noite, foi, foi, foi... E sumiu...
E lá no fundo do mar sua cidade encontrou, tudo era novo, tudo era lindo, nasceu na terra, mas era do mar, o mar reclamava há tempo o que lhe pertencia, a vida de Nerfith...
Nunca ninguém achou seu corpo, dizem lendas locais do vilarejo, que esse mundo submerso realmente existe, mas não são todos que podem o ver, apenas seus reais moradores, pois apesar de ele estar lá no fundo do mar, existe em uma dimensão paralela a nossa, a qual não conseguimos entender nem ver.
Verdade ou lenda, fato é que o corpo de Nerfith nunca foi realmente encontrado, e depois de longa data, o mar que antes freqüentemente era revolto, passou a ser um mar calmo, e o sol voltara a brilhar naquele pequeno vilarejo.

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